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28/06/04

Estranha Melodia dos Macacos
por José Sebastião

Para vós, irmãos!

És filho do homem
Acreditas em Deus
Tornas-te homem.
És pecador
Todos vós nasceis pecadores!
És mortal
Deus é Perfeição!
És carnal
Deus é Omnipotência!
És espiritual
Deus é Omnipresença!
És racional
Deus é Salvação!

És um pintor
Tens uma sala de exposições
Pintas telas com tintas
Com suor
Com lágrimas.
Gostas de pintar nu
Adoras ejacular para os quadros depois de acabados,
Um véu branco encobrindo uma qualquer coisa irreal
Absoluta
Perfeita.
Detestas conceitos
Definições e respostas
Vives apenas de perguntas.

Adoras esculpir
Tens estátuas de mulheres a masturbarem-se
De homens a serem massacrados por outros homens.
Tentas desenhar sentimentos
Só ficariam bem no papel.

És um fotógrafo
De revistas de arte e de moda
Tens ganho alguns prémios.

Não és pecador
És apenas ateu,
Ou agnóstico – termo que utilizas para qualificar a tua fé.
Deus não existe para ti
Todos escolhem a sua existência.
Estás entre o caos e a ordem, existirá melhor?
Onde entra Deus nesta história?
As discotecas
Os bares
Os pub’s
As casas de putas
As ruas da cidade
Durante a noite
Durante o dia
Os cafés
Os centros comerciais
As boutiques do desejo,
Estão carregadas de fumos
De álcoois
De drogas
De luxos e de fúrias
De luxúrias
De medos
De líquidos viscosos
De diferenças
De semelhanças
De distâncias
De culpas
De desculpas
De perdões
De patrões
De excrementos
De cruzes e contra-cruzes
De símbolos
De mitos e de aparências
De realidades e de sonhos
De astros
De vinhos
De caninos
Muitos
Todos em comunidade.

A fé é a tua vida.

És um poeta
Um romancista
Um novelista
Um cronista
Um contista
És um dramaturgo
És egoísta,
Alguém se importa?
Sentas-te ao balcão
A noite parece-te igual às outras.
Ao passar,
Sentes o cheiro de uma mulher
Esvanecendo pelos céus
Até desaparecer lentamente,
Que te deixa estupidamente estonteado.

Ao longe
Ouves o mesmo trote de passos
Marcando o ritmo da loucura,
Que o desejo seja consumado
Amén!
Sentes-te leve como um pássaro
Mas tens nos pés umas botas de chumbo.

A tua alma voa sem destino
A branca tira-te o fado.
Perdes-te dentro de ti
Paras em todas as estações,
Próxima estação:
Ilusão
Sais.
Tu amas a tua beleza.
São sete da manhã
Toca o despertador
Levantas-te às três da tarde.
Fumas um cigarro,
Saboreias esse cigarro como se fosse o último
Como fazes com tudo.
Preparas um café
Sabe a fracasso
Toca o telefone.

Estão dentro de ti
Um corpo de homem e um corpo de mulher
Nus
Aos quais te abraças.

Esta viagem tem a duração exacta do tempo a recuar
É tão rápida que parece não existir
A verdade é:
Queria ser penetrada por dois homens ao mesmo tempo.
Vivam os sentidos!
“Vivam!” – grita o animal eufórico.
Os sexos tocavam-se com pouca delicadeza
Estavam ali para foder
Não para estarem com cerimónias.

O teu corpo transpira angústia.
Vieste-te no seu rosto.

A tua mãe morreu há quinze anos.
Não conheceste o teu pai.
Rejeitaste o pó
Estás a ficar doente.

Pintas
Numa tela azul
Um altar de vidro
Três riscos de pó em forma de cruz
Com Jesus Cristo injectando-se na artéria do braço esquerdo
Em frente à televisão.

Sabes que estás a morrer
Como deveriam saber todos os que o não sabem.
Olhas o espelho
O que vês?
Lembras-te da tua mãe.
Silêncio
Vazio
Qual é a cor do vazio?
Nada é puro.

Já não consegues sentir?
Foste à igreja
Ficaste sentado em frente ao altar
Reflectiste sobre ti
Sobre a tua condição
Sais feliz.

A vida é uma opção
Vives ou não vives?
Estás
E saber estar é um acto sublime.

Toca o telefone
Fumas um outro cigarro que te parece o mesmo
E adormeces com a seringa presa ao braço.
Sonhas
Porque os miseráveis também sonham.

No cu é que está a virtude!
Ó tu que procuras a virtuosidade!
Ó tu que procuras a perfeição!
Esconde-te!
Continuas a procurar a perfeição?
Quem a não procura?

A tua cabeça já não gosta de movimento
Na cidade a tua alma fica presa nas paredes da frente
De trás
Dos lados
Às vezes de cima
Não suportas paredes
Barram-te a vista,
Cada vez menos suportas paredes
E vozes,
Vozes que te indicam o caminho certo.
Gostas mais de omeletes
Com ovos
Também gostas com salsichas
Fascistas!
Porcos!
E gostas de lagostas com vinho tinto
Enquanto vês uma mulher a dormir.
Preparas mais uma dose.

Olhas em frente e vê-la
Acordaste e já não é nada.
Flash!
E outro no qual a vês sem rosto!
Queres conhecê-la
Sempre esperaste conhecê-la…
Agora que a sentes perto de ti
Como está perto a agulha do teu braço
Entras
Vê-la
Sente-la dentro da tua artéria
Como se ela fosse o teu pénis na sua boca!
Tu ainda amas
Amas todas as mulheres do mundo!

Olhas para o relógio e ele não tem ponteiros
Arrancaste-os à dentada!
À dentada?
“À procura da dentadura da velha do sétimo andar, isso é que foi!”

Andas devagar
Como o caracol,
Trazes às costas a casa de todas as recordações
Possíveis e imagináveis
Que fazem de ti um livro em branco.
“Mas a vida não é só uma?” – perguntam do fundo da rua.
Esperas
Esperas
Esperas
Desesperas
Esperas
Desesperadamente esperas
A espera desesperada.

Olha o passado a prender-te ao chão!

Queres criar
Ouves dizer que tudo está inventado
Que tudo o que é belo já foi feito
Estão apenas a refazer o belo.
Achas estranho
Continuas
Não desistes
Queres ser um nome
Queres ter um nome
Não sabes sequer o teu nome
Compras um nome.

Os loucos são crianças em segunda mão
O que vos une é a dor e o amor da infância.
O tempo entre a vida dos vivos e a vida dos esquecidos
É apenas um desencontro.

Tens pouco tempo
Não pensas nisso.
Rezas
E voltas a rezar
Olha
Tens cabelos brancos!

Viajas sem destino
E continuas a fumar o teu cigarro apagado
Com a mesma vontade que fumarias se ele estivesse aceso.
Vês o fumo a sair da tua boca
E ao veres o fumo sentes o fumo,
Mas sentes o fumo de uma outra maneira
Sentes o fumo com gosto a ausência
A solidão
A saudade
Dos tempos passados
Com gosto a juventude,
À tua juventude!
Meu caro, tudo o que é verdadeiro é vão.

Acordas de mãos dadas com a morte
Perguntas-lhe se já são horas de levantar,
Ou se ainda é cedo.
Ela parece não ouvir a tua pergunta
Está simplesmente virada para o seu lado
Sonhando com tudo aquilo que gostaria de fazer antes de morrer.
Levantas-te e deixa-la dormir.

“Sabes que todos pensam o mesmo.”
Enquanto fazes a barba pensas o porquê das coisas.
Pensas na razão que te levou a conquistar aquela que dorme na tua cama
Todas as noites
Fielmente.
Não te imaginas sem ela
É tudo para ti!
Sentes-te livre
Verdadeiramente livre
Mas no espelho só estás tu.

Em cima da cómoda onde guardas a tua roupa interior
Estão os retratos da tua mãe.
Sais da vida
Levando no peito
Uma rosa seca que ainda cheira a infância.

Lá fora
A aurora rompe a noite
E traz mais um filho para criar.

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